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Entrevista: Engenheiro agrônomo fala sobre Outorga Coletiva

O uso da água por parte dos produtores rurais é uma das principais ferramentas na produção agrícola. E, para que haja água para a irrigação e demais atividades é necessária a outorga individual/coletiva, que foi criada para controlar a qualidade e a quantidade de uso da água.


Entrevistamos o engenheiro agrônomo André Brunckhorst a fim de entender melhor sobre a Outorga Coletiva e como esse instrumento impacta diretamente a vida do produtor rural. Ele atualmente faz mestrado pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) e tem como uma das linhas de estudo a identificação de experiências exitosas de alocação negociada da água no setor da agricultura irrigada, nas quais os usuários optaram pela adoção da outorga coletiva. Além disso, Brunckhorst faz estágio na IRRIGO e tem por objeto de estudo a bacia do rio Samambaia, localizada majoritariamente no município goiano de Cristalina. Confira abaixo a entrevista.


IRRIGO: Para quem não conhece, nos conte o que é outorga coletiva.


ANDRÉ BRUNCKHORST: Outorga é um instrumento da Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), que visa garantir o controle quantitativo e qualitativo dos usos da água. A outorga assegura ao usuário o direito de acesso à água, uma vez que regula o seu uso de acordo com a disponibilidade hídrica de uma bacia hidrográfica.

Geralmente os órgãos gestores concedem outorgas individuais aos usuários. Porém, em situações específicas, quando há grupos organizados de usuários, torna-se possível a emissão de uma única outorga coletiva por bacia. Assim, a organização outorgada assumirá a responsabilidade pela regulação do uso, tratando-se de uma gestão compartilhada entre órgãos gestores e usuários.


IRRIGO: Agora que você já nos explicou o que é outorga coletiva, nos fale sobre a importância dela.


ANDRÉ BRUNCKHORST: A outorga coletiva faz a otimização do uso das águas, sendo uma alternativa na resolução de conflitos de acesso à água. Conflitos que têm duas causas principais, escassez ou regulação ineficiente. Na escassez, a quantidade de água disponível não atende a necessidade dos usuários. No conflito regulatório, sobra água para alguns e falta para outros.

A outorga coletiva se dá por meio de uma alocação negociada, em que os usuários se comprometem a usar e gerir um volume máximo acordado entre eles. Trata-se de um pacto, resultado de um processo participativo com propósito bem definido, o compartilhamento eficiente da água.

Além de promover a organização dos usuários, a outorga coletiva demanda um conhecimento preciso da disponibilidade hídrica da bacia hidrográfica. Para isso são necessários mecanismos de monitoramento do clima, vazão dos cursos d´água e do volume utilizado.

Assim, a outorga coletiva é importante no sentido de contribuir na solução de conflitos, promover o consenso dos usuários, descentralizar a gestão hídrica e favorecer o uso mais efetivo da água.


IRRIGO: Nos conte sobre o seu objeto de estudo no mestrado e sobre o seu estágio. Como a outorga coletiva é inserida neles?


ANDRÉ BRUNCKHORST: O ProfÁgua é um programa de âmbito nacional apoiado pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico – ANA e a Fundação CAPES, que oferece uma formação avançada em gestão e regulação de recursos hídricos por meio do mestrado profissionalizante.

O objetivo principal do programa é de proporcionar formação ampla aos alunos, aliando teoria e prática, de modo a aumentar a eficácia de sua atuação na área de recursos hídricos, com a compreensão e incorporação das dimensões relacionadas à gestão integrada dos recursos hídricos, tais como qualidade e quantidade, aspectos legais, institucionais e ambientais, disponibilidades hídricas, de regulação, entre outros.

Parte do meu estudo no ProfÁgua se refere a identificar experiências exitosas de alocação negociada da água no setor da agricultura irrigada, nas quais os usuários optaram pela adoção da outorga coletiva.

Quanto ao estágio na IRRIGO, este tem por objeto de estudo a bacia do rio Samambaia, localizada majoritariamente no município goiano de Cristalina, esta bacia possui 20 mil hectares irrigados por aproximadamente 242 sistemas de pivô central. Trata-se de uma região caracterizada por uma agricultura intensiva, diversificada e de elevado nível tecnológico.

Vale lembrar que o rio Samambaia é um dos mais importantes tributários do rio São Marcos, que dentre os perímetros de agricultura irrigada no Brasil, corresponde à região de maior concentração de sistemas de pivô-central do país. Dados recentes da ANA indicam haver na bacia do São Marcos cerca de 111 mil hectares irrigados por 1.369 pivôs centrais.

É uma bacia de relevante importância na produção agrícola, geração de energia hidráulica e fornecimento de água para o abastecimento humano e industrial. Abrange municípios de elevado Produto Interno Bruto - PIB agropecuário, estando entre os maiores do país, com destaque para Cristalina (6º), Unaí (21º) e Paracatu (38º).

Diante deste contexto, observa-se uma crescente pressão para o aumento da disponibilidade hídrica nesta região, o que consequentemente amplia o risco de conflitos. Segundo levantamento feito por nós, ainda há 12 mil hectares de áreas agricultáveis nesta bacia e que são aptas para a irrigação.

O trabalho na IRRIGO tem por objetivo identificar e caracterizar qual o tipo de conflito existente na bacia do rio Samambaia, escassez ou regulatório, e analisar a aplicabilidade da outorga coletiva entre os usuários do setor da irrigação.


IRRIGO: Os produtores rurais/irrigantes são o nosso principal público-alvo. Como a outorga coletiva impacta direta ou indiretamente a vida dessas pessoas?


ANDRÉ BRUNCKHORST: A outorga coletiva demandará organização social por parte dos irrigantes de uma bacia, via instituição que será a detentora da outorga. A gestão é compartilhada e cada irrigante deverá respeitar e utilizar apenas o volume que lhe foi destinado, caso contrário sofrerá as penalidades estabelecidas pelo grupo. Trata-se de um rico processo de aprendizado, com tempo de amadurecimento e ajustes serão necessários segundo as particularidades locais. Porém o resultado tende a ser positivo tanto para a gestão hídrica, mais ajustada à realidade da bacia, quanto para a comunidade de forma geral, que se torna mais consciente e unida em prol de um interesse comum que é a água.


IRRIGO: Quais são os maiores desafios hoje, no que se refere à solicitação de outorga coletiva? É um processo simples, burocrático...?


ANDRÉ BRUNCKHORST: A outorga coletiva surge do reconhecimento dos usuários e órgãos gestores da existência de um conflito de acesso à água. Uma vez reconhecido, é preciso entender bem o conflito. Existem casos de conflitos regulatórios, onde parte dos agricultores irrigam e detém todo o volume de água outorgável, e outra parte de agricultores não irriga pois não possuem outorga. Porém, com o surgimento de tecnologias de irrigação mais eficientes, é comum que o irrigante não faça mais uso de todo o volume de água a que tem direito, aí surge uma sobra de água não utilizada, e que não é disponibilizada a quem não irriga. A outorga coletiva redistribuirá o volume outorgável, tanto na forma espacial abrangendo mais áreas e novos usuários, quanto sazonal respeitando os momentos mais propícios à irrigação eficiente.

Um importante desafio é a aceitação do conflito por parte dos usuários, e a posterior decisão conjunta de assumirem a gestão local da água, é natural haver resistência por parte de alguns que veem suas outorgas individuais ameaçadas. Porém, com transparência e bom conhecimento da situação, o processo tende a ser compreendido e apoiado pela maioria.

Cabe dizer, que a decisão da implementação da outorga coletiva é política, e se dá no âmbito do Comitê de Bacia Hidrográfica. Os Comitês são organismos colegiados que decidem sobre a gestão das águas, são formados por representantes dos usuários, sociedade civil e poder público. Posteriormente o processo é encaminhado ao órgão gestor de competência, para rios estaduais de Goiás a SEMAD-GO, para rios federais a ANA.


IRRIGO: Por fim, a correta gestão de recursos hídricos pode trazer quais benefícios aos produtores rurais/irrigantes?


ANDRÉ BRUNCKHORST: A irrigação é a atividade humana que mais utiliza água no seu processo produtivo. Os conflitos de acesso à água são crescentes, e mecanismos inovadores e ajustados as realidades locais, tendo como base a participação ativa e consciente dos usuários, são cada vez mais necessários. Dentre os principais benefícios da boa gestão hídrica, é a garantia de água aos produtores rurais e a continuidade por tempo indeterminado da produção agrícola de alimentos.

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